sexta-feira, 13 de abril de 2012

STF descriminaliza aborto de anencéfalos

Por Nice Affonso, do Portal da Arquidiocese do Rio
Fonte e fotos: Agência Brasil e Arquivo

A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, nesta quinta-feira, 12 de abril, que a mulher tem o direito de escolher interromper a gestação de feto com anencefalia, descriminalizando a prática do aborto de anencéfalos no Brasil. A confirmação veio após voto do ministro Carlos Ayres Britto, o sexto a se posicionar favorável à ação movida pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS). Apenas o presidente do STF, ministro Cezar Peluso, e o ministro Ricardo Lewandowski votaram contra a proposta. O Supremo decidiu, por 8 votos a 2.

Embora o presidente do STF, ministro Cezar Peluso tenha destacado que “ este é o mais importante julgamento na história desta Corte, porque nela se tenta definir no fundo o alcance constitucional do conceito de vida e da sua tutela normativa”, e defendido com veemência a vida afirmando que ela não pode ser "relativizada" segundo "escala cruel" para definir quem tem ou não direito a ela e que "a ação de eliminação intencional da vida intra-uterina de anencéfalos corresponde ao tipo penal do aborto” teve que proclamar o resultado de que o aborto de feto sem cérebro não é crime.

Os ministros, antes da proclamação do resultado, discutiram se deveriam recomendar que o Ministério da Saúde e o Conselho Federal de Medicina adotem medidas para viabilizar o aborto nos casos de anencefalia para as mulheres que fizerem esta opção. Segundo alguns ministros, é importante que haja certeza na identificação do problema e que o médico que fará o aborto não seja o mesmo que fez o diagnóstico.

— Podemos nesse caso, se não legitimarmos a cautela, legitimar verdadeiros açougues, afirmou Gilmar Mendes, que propôs exigência de atestado de anencefalia assinado por dois médicos que não sejam o mesmo responsável pelo aborto do feto e, além disso, o consentimento da gestante por escrito.

Mas nem mesmo tal cautela foi consentida pelo relator da ADPF 54, que chegou a questionar se os outros ministros que votaram a favor da descriminalização aceitariam ser “peitados” e repensar sua decisão.

O Código Penal criminaliza o aborto, com exceção aos casos de estupro e de risco à vida da mãe, e não cita a interrupção da gravidez de feto anencéfalo. Para a maioria do plenário do STF, obrigar a mulher manter a gravidez diante do diagnóstico de anencefalia implica em risco à saúde física e psicológica. Aliado ao sofrimento da gestante, o principal argumento para permitir a interrupção da gestação nesses casos foi a impossibilidade de sobrevida do feto fora do útero.

Relator é processado
Os ministros favoráveis acompanharam a tese do relator, Marco Aurélio Mello, que entende que a mulher que optar pelo fim da gestação de bebê com anencefalia (malformação do tubo neural, do cérebro) poderá fazê-lo sem que isso seja considerado ilegal. O Ministro, que chegou a afirmar que "o anencéfalo jamais se tornará uma pessoa”, no entanto está sendo processado pela bancada pró-vida no Congresso por Crime de Responsabilidade, por suposta antecipação de voto no julgamento da ADPF 54 — o que o artigo 36 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional proíbe aos juízes.
O pedido foi levado por representantes das bancadas católica e evangélica ao presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). Segundo a Agência Senado, “os deputados alegam que o ministro teria emitido juízo de valor em entrevistas ao SBT e à revista Veja, em 2008, sobre o aborto de fetos anencéfalos e, com isso, supostamente teria antecipado seu voto no julgamento feito pela corte”.

Os parlamentares pedem que o Senado instale uma comissão para julgar o ministro, já que o artigo em questão proíbe aos juízes “manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem”, conforme afirmou a Agência Senado.

— O relator do processo de hoje já se declarou antes da hora. Isso é quebra de decoro, afirmou o deputado federal Eros Biondini (PTB-MG), membro da bancada católica e pró-vida no Congresso.

A Agência Senado recordou ainda que “conforme o artigo 52 da Constituição Federal, é competência privativa do Senado Federal processar e julgar os ministros do Supremo Tribunal Federal. Cabe ao presidente da Casa (no caso o Senador José Sarney) a faculdade de acatar ou rejeitar a denúncia”. E se, “de acordo com o Regimento Interno do Senado, for acatada a abertura do processo, uma comissão, constituída por um quarto da composição do Senado, obedecida a proporcionalidade das representações partidárias ou dos blocos parlamentares, ficará responsável pelo processo”.

“O direito à vida não é um tema religioso”

Embora o julgamento tenha sido permeado por tentativas de explicações e percepções sobre o tema, que possibilitassem justificativas para os votos a serem dados, os ministros em muitas ocasiões citaram a importância de que o Estado e a Igreja estejam dissociados em suas posturas e decisões. A chamada, erroneamente, “laicidade do Estado” esteve presente na maioria dos discursos ilustrando o direito de escolha da mulher na gerência do próprio corpo e das vidas que nele são geradas.

— Concepções religiosas não podem guiar as decisões estatais, devendo ficar circunscritas à esfera privada. A crença religiosa ou a ausência dela serve precipuamente para ditar a vida privada do indivíduo que a possui. Paixões religiosas de toda a ordem hão de ser colocadas à parte das decisões do estado, afirmou o relator da ADPF54.

- Ser laico significa que não existe uma religião do Estado, mas o Estado valoriza as religiões às quais pertencem os vários indivíduos da sociedade. Por isso, um Estado verdadeiramente laico não se mete nas escolhas religiosas, mas as valoriza, explicou o Bispo da Arquidiocese de Taranto, na Itália, Dom Filippo Santoro, em entrevista aos veículos de comunicação da Arquidiocese do Rio, em outubro do ano passado.

A liberdade religiosa foi citada pelos ministros como algo a ser respeitado sempre, porém não levado em consideração nas causas julgadas nos tribunais de um “estado laico”. A defesa do direito à vida, que os portadores de anencefalia nesse julgamento perderam, parece ter sido ofuscada pela desculpa de que os de “espécie anencéfala” (Ministro Carlos Ayres Britto) só estavam sendo defendidos por Instituições, Organizações e Movimentos Pró-vida por questões religiosas, o que não é verdade.

— Sabemos que defender a vida é o que existe de melhor para a sociedade, para o mundo e para a pessoa humana. Quando defendemos a vida, quando a achamos importante, não estamos impondo religião para ninguém. Não estamos impondo ideia religiosa para ninguém. A vida é um valor universal, defendeu o Arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Orani João Tempesta.

No entanto, a vida foi questionada na Corte. O momento em que ela passa a existir também. Termos da genética, como zigoto, feto, embrião foram citados como que por especialistas. E até mesmo as compreensões da própria malformação em questão foram confusamente apresentadas. O que é aborto também foi questionado. O ser humano anencéfalo não foi considerado um nascituro, que é quem merece ter a vida defendida de acordo com a lei. Bases jurídicas foram reduzidas a opiniões pessoais.

O que será democracia no Brasil?

A definição para democracia, conforme o Novo Dicionário Aurélio de Língua Portuguesa, é “ Doutrina ou regime político baseado nos princípios da soberania popular e da distribuição equitativa do poder, ou seja, regime de governo que se caracteriza, em essência, pela liberdade do ato eleitoral, pela divisão dos poderes e pelo controle da autoridade dos poderes de decisão e de execução.” Mas será que neste julgamento não houve uma demonstração antidemocrática sem precedentes no Brasil?

O STF não pode legislar. Isso compete ao Congresso Nacional. Como está claro no site da Câmara dos Deputados, “o Poder Legislativo cumpre papel imprescindível perante a sociedade do País, visto que desempenha três funções primordiais para a consolidação da democracia: representar o povo brasileiro, legislar sobre os assuntos de interesse nacional e fiscalizar a aplicação dos recursos públicos.” Cientes dessa missão, os brasileiros bem informados não conseguem compreender por quais razões os deputados não cumpriram com o seu dever e a causa foi lançada ao STF:

— O Poder Judiciário não pode promover inovações no ordenamento normativo como se parlamentares eleitos fossem. Não é lícito ao maior órgão judicante do país legislar criando normas legais, denunciou o ministro que votou contra o aborto, Ricardo Lewandowski.

E neste episódio tão importante da justiça da nação, não foi sequer possível uma exposição oral por parte dos que são contrários à descriminalização, somente os que defendiam o aborto de anencéfalos tiveram voz.

— Isso enfraquece (o debate democrático), (...) porque nós dependemos apenas da leitura da palavra escrita e não da palavra oral; e, no caso, por termos sido proibidos de falar, isso desequilibra o debate oral, enfatizou o presidente dos Juristas Católicos de São Paulo, Ives Gandra, em entrevista à Canção Nova.

O momento histórico vivido pela justiça brasileira nestes dois dias de julgamento abre precedente para a descriminalização de outras formas de aborto que tramitam no Congresso. Mas, apesar disso, é certo que os que são favoráveis à vida em qualquer circunstância permanecerão em sua luta pelo despertar de consciências porque acreditam que vale a pena “viver e fazer viver. As leis nunca mudarão a regra” (Pe. Fábio de Melo)
 

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